Zona de conforto
Na psicologia, a zona ou área de conforto é uma série de ações, pensamentos e/ou comportamentos que o ser humano procura ter e que não causam nenhum tipo de medo, risco ou desconforto. Nessa condição a pessoa realiza um determinado número de comportamentos que lhe dá um falso e limitado desempenho e atitudes, porém com uma sensação de segurança.
Mas, se a busca do conforto e facilidade é inerente ao ser humano, porque então não nos mantemos nela? Eu não sou masoquista!
Isso não tem nada a ver com masoquismo. Cada vez mais, as doenças psicológicas, que classifico como “doenças modernas”, como o Stress, Depressão, Síndrome do pânico, Transtorno Bipolar, Anorexia, Síndrome de Burnout, entre outros males, são o resultado de procurarmos o cómodo e o que é mais fácil, mantendo-nos nessa área de conforto.
A famosa citação, do poeta romano Juvenal, Mens sana in corpore sano ("uma mente sã num corpo são") é quase sempre ignorada e conceituada com limitação.
Nas disciplinas orientais é entendido que quando preparamos o corpo, consequentemente a mente tem seu reflexo e o espírito se engrandece. Quando vivemos na zona de conforto, quebramos essa trindade, pois a preguiça, a soberba, o medo, a ignorância, entre outros fatores, nos enfraquecem gradualmente e nos tornam vazios e com um espírito fraco.
Em japonês, sabiamente o termo: 心 Kokoro tem o significado de coração, mente e espírito, não separando os sentimentos, pensamentos e nossa energia nesse processo.
Logicamente que existem tantos outros fatores que fazem parte dessa degradação humana, no entanto, quando procuramos sinceramente sair da zona de conforto, deixando de lado o que acreditamos ser, ilusoriamente, as coisas que nos fazem bem, que nos dão um falso prazer e felicidade, começamos a observar quanta futilidade e egocentrismo impera nessa desordem.
Como artista marcial posso fazer uma analogia do treino dentro de um Dojo com a nossa vida. No Dojo encontramos um ambiente seguro, confortável, com tatamis, protegidos das condições do tempo, como o sol, chuva, vento, dos obstáculos naturais, como buracos, pedras, vegetação, etc. A zona de conforto é realmente atrativa e envolvente, e assim como um vício, só a percebemos quando realmente estamos totalmente dominados e consumidos por ela.
No entanto, ainda assim dentro de uma prática académica, temos o tempo necessário para nos interiorizarmos e assim resgatar a intimidade com nosso “Eu”, algo cada vez mais raro nessa vida corrida que o homem se submeteu em busca da “Felicidade”. Na atividade procuramos transpor os nossos limites, oriundos do treino e sofrimento físico acarretado pela prática das quedas, dores dos golpes, dificuldades dos exercícios.
Aprendemos a cair e levantar (受身 Ukemi) quantas vezes for necessário, aprendemos a aplicar golpes nos nossos companheiros, e mais importante ainda, aprendemos a recebê-los (受け Uke e 取 Tori), muitas vezes com dor, e, com essa doação, o nosso corpo se fortalece, a nossa preguiça se evade, os nossos medos vão-se transformando, a nossa arrogância vai-se quebrando, e no decorrer desse caminho, sem que percebamos, o nosso corpo, mente e espírito tornam-se fortes, e cada obstáculo e dificuldade que encontramos na prática marcial tornam-se prazerosos, não mais penosos. E é quando percebemos que estamos a preparar-nos para todas as investidas da vida, entendendo assim que não há uma separação no nosso processo evolutivo, a trindade deve manter-se integrada.
Há um ditado japonês que diz: 竜頭蛇尾 Ryuto Dabi (Cabeça de Dragão, cauda de serpente).
Encarar o Dragão pode ser assustador, com a sua cabeça enorme e assombrosa, mas quando insistimos, percebemos que no final apenas vamos encontrar uma franzina e patética cauda de Serpente.
Nuno Santos Shihan
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